domingo, 13 de outubro de 2013

O ônibus - por Maurício Rubens

O ônibus
Maurício Rubens

Sentado, como nos outros dias, lá eu estava, como todos os outros que também estavam ali. Desconfiados, hesitantes, ansiosos. Perguntavam, respondiam, falavam descontinuamente sem se preocuparem mesmo em serem compreendidos. O ônibus parecia estar movendo-se mais lentamente naquele dia, mas não estava. Simplesmente seguia o mesmo itinerário, o assoalho era o mesmo, os bancos, as mãos que, entrelaçadas, seguravam ao longo do interminável cano de alumínio que ligava a parte dianteira do ônibus à anterior, também eram as mesmas, nada havia de extraordinário. Passamos pela praça, pelo monumento, pelo túnel e pela família de mendigos que morava sob a proteção do viaduto. Estavam ainda dormindo, era muito cedo e o dia estava frio e nublado.
Eu como em todos os outros dias olhei para essas coisas, sem entreter-me, todavia, com nenhuma delas.
Havia dentro do ônibus pessoas de todos os tipos, homens, mulheres com crianças, idosos, jovens; cada um deles com uma história, um desejo e o fim pelo qual estavam ali. Pareciam não esperar nada daquele dia, preocupavam-se apenas em falar e se aquecerem em grossos trajes de inverno.
Uma figura, entretanto, chamou-me a atenção. Um homem moreno, não muito alto, barba de dois dias, sulcos profundos cortavam-lhe o rosto taciturno, óculos de lentes grossas sobre olhos fundos como o mar. Havia em sua expressão algo de inquietante, seus olhos parados, fitados em um lugar que não era ali.
Seu nome é César, proprietário falido de uma empresa de médio porte. A extinta companhia fabricava máquinas pesadas para extração de metais, as quais exportava para vários países do ocidente e até mesmo partes da Ásia.
A família: dois filhos. Menino e menina, ele quatorze, olhos claros, pele clara, porém suja pelas brincadeiras que tivera na escola, ela doze. Voltavam da escola quando o motorista do carro que os levava para casa perdeu o controle do automóvel, em poucos instantes, perceberam que não havia nada mais a fazer, um acidente fatal. A mulher, que o traía – o que veio saber somente mais tarde – fugira com o amante na noite anterior ao dia em que comemorariam quinze anos de casamento, dia este para o qual ele planejara um jantar romântico, em um fino restaurante da cidade.
Até então César suportara todos esses desgostos sem pronunciar palavra. Era visível, porém, a infelicidade causada por tais desagrados. A empresa herdada do pai começara a demonstrar sinais de que não subsistiria às altas taxas de juros do mercado, associados à má administração exercida por ele em consequência desses acontecimentos, César entregara os pontos e pedira falência.
Naquele dia, saíra de casa com pensamentos soturnos, passou em uma loja de caça de animais e a deixara com um pequeno embrulho nas mãos, o qual guardou sob o casaco que usava. César não sorria mais desde que... desde quando não se precisa, tinha sempre aquele olhar complacente dos maníacos e professores de história. Algo não me soava bem, o olhar daquele homem parecia querer dizer-me alguma coisa, e ainda que não olhasse na minha direção, eu podia senti-lo a chamar-me para pedir algo, talvez socorro. De repente César começou a olhar ao redor, ofegante, levantou-se violentamente, empurrava aqueles que estavam em pé no ônibus, eu fitava-o sem saber o que dizer ou fazer, neste instante seu olhar cruzou o meu, o que me constrangeu de certa forma, pois não o conhecia e instou como se me chamasse. Sem saber por que, ainda tentei, inutilmente, segurá-lo. Ele começou desabotoar o casaco, na mão trêmula um revólver calibre vinte e dois que havia acabado de comprar em uma loja de equipamentos de caça – como se soube mais tarde – e antes que conseguisse sair do ônibus apontou a arma na direção de sua cabeça. Todos se calaram com o estrondo.


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