O ônibus
Maurício Rubens
Sentado, como nos outros dias, lá eu estava,
como todos os outros que também estavam ali. Desconfiados, hesitantes,
ansiosos. Perguntavam, respondiam, falavam descontinuamente sem se preocuparem
mesmo em serem compreendidos. O ônibus parecia estar movendo-se mais lentamente
naquele dia, mas não estava. Simplesmente seguia o mesmo itinerário, o assoalho
era o mesmo, os bancos, as mãos que, entrelaçadas, seguravam ao longo do
interminável cano de alumínio que ligava a parte dianteira do ônibus à
anterior, também eram as mesmas, nada havia de extraordinário. Passamos pela
praça, pelo monumento, pelo túnel e pela família de mendigos que morava sob a
proteção do viaduto. Estavam ainda dormindo, era muito cedo e o dia estava frio
e nublado.
Eu como em todos os outros dias olhei para
essas coisas, sem entreter-me, todavia, com nenhuma delas.
Havia dentro do ônibus pessoas de todos os
tipos, homens, mulheres com crianças, idosos, jovens; cada um deles com uma
história, um desejo e o fim pelo qual estavam ali. Pareciam não esperar nada
daquele dia, preocupavam-se apenas em falar e se aquecerem em grossos trajes de
inverno.
Uma figura, entretanto, chamou-me a atenção. Um
homem moreno, não muito alto, barba de dois dias, sulcos profundos cortavam-lhe
o rosto taciturno, óculos de lentes grossas sobre olhos fundos como o mar.
Havia em sua expressão algo de inquietante, seus olhos parados, fitados em um
lugar que não era ali.
Seu nome é César, proprietário falido de uma
empresa de médio porte. A extinta companhia fabricava máquinas pesadas para
extração de metais, as quais exportava para vários países do ocidente e até
mesmo partes da Ásia.
A família: dois filhos. Menino e menina, ele
quatorze, olhos claros, pele clara, porém suja pelas brincadeiras que tivera na
escola, ela doze. Voltavam da escola quando o motorista do carro que os levava
para casa perdeu o controle do automóvel, em poucos instantes, perceberam que
não havia nada mais a fazer, um acidente fatal. A mulher, que o traía – o que
veio saber somente mais tarde – fugira com o amante na noite anterior ao dia em
que comemorariam quinze anos de casamento, dia este para o qual ele planejara
um jantar romântico, em um fino restaurante da cidade.
Até então César suportara todos esses desgostos
sem pronunciar palavra. Era visível, porém, a infelicidade causada por tais
desagrados. A empresa herdada do pai começara a demonstrar sinais de que não
subsistiria às altas taxas de juros do mercado, associados à má administração
exercida por ele em consequência desses acontecimentos, César entregara os
pontos e pedira falência.
Naquele dia, saíra de casa com pensamentos
soturnos, passou em uma loja de caça de animais e a deixara com um pequeno
embrulho nas mãos, o qual guardou sob o casaco que usava. César não sorria mais
desde que... desde quando não se precisa, tinha sempre aquele olhar complacente
dos maníacos e professores de história. Algo não me soava bem, o olhar daquele
homem parecia querer dizer-me alguma coisa, e ainda que não olhasse na minha direção,
eu podia senti-lo a chamar-me para pedir algo, talvez socorro. De repente César
começou a olhar ao redor, ofegante, levantou-se violentamente, empurrava
aqueles que estavam em pé no ônibus, eu fitava-o sem saber o que dizer ou
fazer, neste instante seu olhar cruzou o meu, o que me constrangeu de certa
forma, pois não o conhecia e instou como se me chamasse. Sem saber por que,
ainda tentei, inutilmente, segurá-lo. Ele começou desabotoar o casaco, na mão
trêmula um revólver calibre vinte e dois que havia acabado de comprar em uma
loja de equipamentos de caça – como se soube mais tarde – e antes que
conseguisse sair do ônibus apontou a arma na direção de sua cabeça. Todos se
calaram com o estrondo.
Que isso,além de lindo escreve bem demais,que isso ! *----*
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